O termo “inflação de estilo de vida” (IEV) refere-se à tendência natural do custo de vida de um indivíduo “acompanhar” o aumento dos seus rendimentos. Esses “ajustes” no padrão de vida se dão à medida em que “luxos do passado” passam a ser percebidos como “necessidades”.
Esse fenômeno tende a ser silencioso, de difícil percepção e contagioso, já que o ser humano tende a inconscientemente comparar e ajustar o seu padrão de vida com o padrão de vida dos seus semelhantes. Apesar de silencioso, pode ser extremamente danoso, pois mesmo que você consiga pagar suas contas e terminar o mês no “zero a zero”, jamais vai atingir a independência financeira, ou qualquer outro objetivo financeiro de maiores proporções, se não criar nenhuma “folga” entre o que gasta e o que ganha.
Se você “marcar bobeira”, a IEV vai lhe passar uma rasteira a cada reajuste salarial, deixá-lo preso na infeliz “corrida de ratos” e com aquela amarga sensação de que a vida se resume a “pagar boletos”. Afinal de contas, o elemento fundamental para atingir a independência financeira não é o quanto você ganha*, mas o quanto você poupa.
Um certo nível de IEV é natural ao longo da vida conforme sua configuração familiar, prioridades e carreira vão evoluindo. De fato, à medida que você vai melhorando sua renda, aumentar determinados gastos pode ser inclusive benéfico. Terceirizar alguns serviços, por exemplo, pode liberar o seu tempo para aproveitar mais a família/amigos/hobbies. Dependendo do valor real da sua hora de trabalho, pode inclusive ajudá-lo a “economizar energia vital”.
Como tudo na vida, a chave para controlar a IEV de forma saudável é o bom senso. A minha forma preferida de tomar decisões sensatas é assumir dois cenários possíveis:
- “vou morrer amanhã.” Esse cenário me ajuda a ponderar escolhas sob a ótica das minhas reais prioridades; tempo de qualidade com as pessoas que amo, por exemplo.
- “vou viver 150 anos.” Já esse cenário me ajuda a dar uma “pitada de sustentabilidade” a tudo.
As melhores decisões tendem a ser as que permanecem razoáveis em qualquer um dos cenários.
Alguns “gatilhos” da Inflação de Estilo de Vida
Comportamento de manada:
Somos seres sociais, não tem jeito. Nossa própria percepção de individualidade é forjada na coletividade. Então é natural que nos sintamos compelidos a “acompanhar a manada” replicando os hábitos de consumo das pessoas que integram nossas “bolhas sociais” (trabalho, escola, faculdade, bairro, clube, igreja, etc.). Se todo mundo no trabalho financia um carro novo todo ano, por exemplo, você pode se sentir coagido a integrar o “upgrade anual”. Mesmo que o “Golzinho” 2015 que você acabou de terminar de pagar atenda-o perfeitamente.
O que devemos ter em mente, quando identificamos esse impulso de “não querer ficar para trás da manada”, é que a maioria das pessoas à nossa volta passa a vida endividada, ostentando um estilo de vida incompatível com o seu salário. Por isso, a maioria nunca vai atingir a independência financeira.
O livro “O milionário mora ao lado” de Thomas J. Stanley e William D. Danko demonstra que a maioria dos milionários enriquece justamente por cultivar hábitos de consumo mais frugais que a maioria das pessoas de classe média (mesmo depois de se tornarem milionários). Eles sacaram que é bem mais legal “ser rico” do que “parecer rico”.
Mentalidade do merecimento:
Você trabalha duro a semana inteira e sente que merece ser recompensado por isso, não é mesmo? “Work hard, play hard”, é o que eles dizem.
O problema não está em gastar com entretenimento. O problema é usar o “carrão”, a “motona”, a “casona”, o barco, a balada, a TV a cabo (insira aqui a sua recompensa material favorita) como mecanismo compensatório por ter sobrevivido a mais uma “semana de cão” em um trabalho difícil e/ou entediante. Pense comigo: se você decide que “merece torrar” tudo o que ganha porque você trabalha duro demais, está perpetuando justamente a situação desagradável que busca amenizar com suas “recompensas”.
Sim, você merece aproveitar a vida, mas não deixe que seus hábitos de consumo sabotem a verdadeira alforria de qualquer trabalho indesejado – a sua independência financeira!
Mentalidade do “mais é melhor”:
Vicki Robin diz no seu livro “Dinheiro e Vida” que perguntava aos participantes dos seus seminários “quanto dinheiro você precisa para ser feliz?” E TODOS respondiam: “mais do que eu tenho agora”.
E não é culpa deles (nem sua).
Desde que nascemos somos bombardeados a todo momento pela lógica materialista do “quanto mais melhor”. Para todas as nossas necessidades psicológicas, biológicas e sociais existe um produto ou serviço a ser vendido. “Mais” é o mantra dos economistas modernos. Mais consumo é bom para a economia, não é mesmo?
Bem, tem aquele pequeno detalhe que só temos 1 planeta e já precisaríamos de “1,75 planetas” para que que o nosso ritmo de consumo atual fosse sustentável. Mas “f#@k it, você realmente precisa do novo iPhone!”
“Compramos” a ideia de que “a felicidade e bens materiais caminham de mão dadas” e que “nosso próprio valor como indivíduo está atrelado às nossas posses”. E é essa lógica que nos estimula a consumir mais recursos do que o nosso salário (e planeta) pode suportar e nos leva a “precisar” trocar de carro, casa, roupa, TV, celular[…] simplesmente porque “podemos” ou porque um novo modelo foi lançado.
Tenho uma péssima notícia: “mais” é um tipo de horizonte. Uma miragem que retrocede na mesma proporção em que você a busca. “Mais” é a cenoura que o dono do “burrinho” põe na frente do seu focinho para fazê-lo caminhar. O dono vai aonde quer enquanto o burrinho apenas está correndo atrás de uma ilusão (não seja o burrinho). Se você entrar nessa “vibe”, o que você tem nunca será suficiente. A IEV vai preencher cada brecha do seu salário e ainda deixá-lo endividado.
A vida é mais do que uma competição pra ver quem vai morrer com mais “brinquedos”.
“Grandes eventos”:
A IEV tende a bater com mais força logo após grandes eventos como formatura, casamento, primeiro “emprego de verdade”, promoção, aumento significativo, etc. Da noite para o dia, os “luxos” de antes viram “necessidades”.
Calcule o real impacto de cada “upgrade” no seu orçamento e reflita com calma antes de tomar grandes decisões. Priorize celebrações que terão impacto pontual no seu orçamento e evite as que terão impacto recorrente. Por exemplo, uma festa de comemoração é um gasto pontual. Já um financiamento de um carro novo mais luxuoso provavelmente significará um aumento no gasto com combustível, manutenção, seguro, juros, maior depreciação (todos gastos que terão um impacto recorrente no seu fluxo de caixa e patrimônio).
Algumas estratégias para minimizar ao máximo a Inflação de Estilo de Vida
Aproveite os seus reajustes/aumentos salariais para elevar sua Taxa de Poupança:
A forma mais “indolor” de segurar a IEV é aproveitar os reajustes salariais para elevar sua taxa de poupança (TP), e não o seu custo de vida. Eu já vi muitas estratégias diferentes para isso, mas a minha favorita é “inverter a TP atual no valor do reajuste salarial”. Essa é uma ótima maneira de forçar o “poupador medíocre” a poupar mais e o “poupador hardcore” a viver mais.
Vamos a um exemplo:
“João” e “Maria” têm o mesmo salário líquido (R$ 5.000,00) e tiveram o mesmo reajuste de 10% (R$ 500,00). Mas João tinha uma taxa de poupança medíocre de 5% (R$ 250,00/mês) enquanto Maria tinha uma taxa de poupança hardcore de 60% (R$ 3.000,00/mês). Seguindo essa estratégia, João precisará poupar 95% do valor do reajuste (R$ 475,00 dos R$ 500,00) e Maria precisará poupar 40% do valor do reajuste (R$ 200,00 dos R$ 500,00).
A nova taxa de poupança de João será de 13,18% (R$ 725,00/mês) enquanto a nova taxa de poupança de Maria será de 58,18% (R$ 3.200,00/mês). Ou seja, a margem que terão para inflacionar o seu estilo de vida será inversamente proporcional às suas TP anteriores.
Pague-se primeiro:
Se a IEV é justamente o fenômeno no qual as contas e gastos discricionários tendem a se “expandir” para preencher todo o seu salário, por que não “hackear o sistema” tratando sua TP como apenas mais um “boleto”? Afinal, a maioria dos brasileiros é bom pagador, mas tende a “torrar” tudo depois de pagar suas contas e chega ao final do mês sem nada para poupar e investir. Defina a sua TP e trate-a como o seu boleto mais importante. Se no final do mês não sobrar nada, “no worries”, você já “se pagou”.
“Ah IFP, mas eu não tenho disciplina, eu esqueço, ahhhh, ahhhh!”
Coloque o seu “boleto mais importante” no débito automático:
A maioria dos bancos disponibilizam gratuitamente o serviço de “poupança programada”. Você estipula o valor e a data (de preferência logo após o recebimento do salário) e pronto. O seu boleto mais importante está no “débito automático”. É óbvio que poupar é apenas o primeiro passo. O ideal é que você eventualmente aloque esse dinheiro em veículos de investimento com maior potencial de retorno no longo prazo do que a “caderneta de poupança”, por exemplo. Mas só dá pra investir aquilo que você consegue poupar. Alguns bancos possibilitam ainda “transferências programadas/periódicas” para outras opções de investimento, contas de banco ou corretora de sua preferência. Entre em contato com seu banco e avalie suas opções de automatização.
Tenha os seus objetivos de longo prazo bem definidos
Eu não sei você, mas poupar só para ter mais dinheiro na conta nunca me motivou (talvez seja por isso que eu cheguei aos 30 anos com um patrimônio praticamente zerado). Mas se eu pudesse voltar no tempo e explicar para a minha versão de 15 aninhos que poupar e investir com foco na independência financeira iria me permitir parar de trabalhar por dinheiro e poder trabalhar no que eu quisesse, quando quisesse e onde quisesse, passar mais tempo de qualidade com família/amigos e poder morar em qualquer lugar (liberdade geográfica) – eu tenho certeza que aquele adolescente sonhador ficaria empolgado com a ideia de aumentar sua TP sempre que possível e não teria caído nas ciladas da IEV por tantos anos.
O dinheiro em si pode parecer um recurso ilimitado porque “sempre dá pra ganhar mais mês que vem”. Mas, no fim das contas, a única moeda de troca que você tem é seu tempo (certamente limitado). Não há tempo suficiente para “comprar” tudo nessa vida, mas há tempo pra comprar qualquer coisa que seja prioridade para você. Cabe a você definir suas prioridades e tomar decisões que vão otimizar sua jornada rumo àquilo que é mais importante para você.
Moral da história
Embora um aumento salarial geralmente seja bem-vindo, é perfeitamente possível permanecer “quebrado” e endividado, tanto com um salário de R$ 3.000,00, quanto com um de R$ 30.000,00 por mês, por causa da inflação de estilo de vida. Ser intencional com seus gastos e sua taxa de poupança é essencial para que um dia você possa parar de trabalhar por dinheiro e tenha o dinheiro trabalhando por você.
Essas são algumas das estratégias que eu uso para dominar a inflação do estilo de vida antes que ela me domine.
Quais outras estratégias você usa?
*Você deve encarar o seu orçamento familiar da mesma forma que analisa o balanço de uma empresa. Ter um salário alto é o mesmo que uma empresa que tem uma receita alta: certamente pode facilitar uma taxa de poupança/margem líquida alta. Mas, no fim das contas, uma empresa que trabalha com margem líquida muito próxima de zero, ou negativa, tende a não sair do lugar (mesmo que tenha receita alta). Se seu orçamento familiar trabalha com uma taxa de poupança muito próxima de zero, você é um(a) “quebrado(a)”, mesmo que “ganhe bem”.
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Ifologo, muitos tem o sonho dourado de morar nos EUA. Você está aí há cerca de 2 anos. Não quero falar sobre qualidade de vida, segurança, etc, só de cifras.
Comparando sua renda no BR X custo Brasil e renda nos EUA X custo American way of life, percentualmente aonde você conseguia ter maior taxa de poupança? E nominalmente (em termos absolutos)? Seu planejamento de longo prazo conta com o ganho de capital fruto do câmbio favorável do dólar (presumindo parte dos gastos futuros em reais)?
Abraço
Fala AC! Vamos falar de cifras então. Esse é o benefício de ser anônimo… kkk
No Brasil nossa renda familiar média estava por volta de uns R$ 6.500,00 (reais) líquido.
Aqui nos Estados Unidos, em 2020 nossa renda familiar líquida média ficou em aproximadamente $ 6.479,00 (dólares). Lembrando que eu quase não trabalhei ano passado (esse ano nossa renda tende a ser maior).
Ou seja, pensando simplisticamente em reais, nossa renda aumentou mais de 5 vezes…
Mas a nossa situação não necessariamente é referência para brasileiros que querem vir tentar a vida aqui nos Estados Unidos. A Sra. IFP é daqui, formada em engenharia civil aqui e conseguiu um bom trabalho como engenheira. Eu, por exemplo, mesmo tendo faculdade e pós graduação no Brasil, só “camelei” até agora (ganhando entre $12 e $15 por hora) kkkk.
O nosso custo de vida aqui aumentou bastante (pensando nominalmente e em reais), mas ainda assim nos permitiu uma taxa de poupança maior tanto em valores nominais, quanto percentuais (40% em 2020 e tende a aumentar 2021).
Só pra você ter uma ideia, nosso aluguel de uma casa bem pequena (dois quartos) em uma região com escola pública boa é $1.125,00 (dólares). No Brasil alugávamos uma casa equivalente por R$900,00 (reais).
As únicas coisas que tendem a ser mais baratas aqui são eletrônicos e carros… Como eu não compro carros e celulares todo mês, acabamos não “aproveitando” esse “benefício” kkk…
Como pretendemos desfrutar do nosso período de desacumulação fora dos Estados Unidos, essa estratégia tende a acelerar nossa jornada IF significativamente.
Enfim, tudo depende das inúmeras variáveis de cada um. Mas para brasileiros que não têm um salário muito bom no Brasil, acho que vale a pena arriscar (sob o ponto de vista estritamente financeiro).
Não tínhamos levado em consideração o ganho cambial de longo prazo quando decidimos por essa forma de arbitragem geográfica. Entretanto, ele tender a ser favorável no longo prazo para quem ganha em dólar e planeja gastar em real. Como estamos medindo nosso progresso em reais e ganhando em dólar, essa “vantagem” já está embutida (e representa uma parte dos “ganhos espetaculares” de 2020, por exemplo)…
Espero ter respondido suas perguntas AC.
Um abraço!