No post “Quanto acumular para a independência financeira” falamos sobre a “regra dos 4%” como uma das métricas mais usadas para determinar “quando” você atingiu a independência financeira. Logo em seguida nos aprofundamos nos dois principais estudos que deram origem à regra dos 4% para entender as variáveis exploradas pelos autores e todo o “racional” por trás dessa métrica (se você não está familiarizado com a regra dos 4%, recomenda-se a leitura dos dois posts anteriores antes de continuar).
Hoje vamos analisar cada argumento daqueles que criticam da regra dos 4% como uma taxa segura de retirada anual e explorar algumas formas de ajustá-la à sua realidade e torná-la ainda mais robusta.
Bora então?
A regra dos 4% vale para a realidade brasileira?
Esse é um questionamento muito válido, já que esses estudos se basearam no comportamento histórico do mercado estadunidense.
A insegurança dos que questionam essa métrica geralmente não vem da parcela alocada em renda fixa, já que o Brasil pratica taxas de juros historicamente superiores às dos Estados Unidos. O Brasil é considerado um país mais “arriscado” e , portanto, é natural que tenha que pagar um “prêmio de risco”.
Mas e o retorno histórico do mercado de ações brasileiro? Será que seria comparável ao retorno histórico do mercado de ações da maior economia do mundo?
Antes de mais nada, é importante ressaltar que o S&P 500 apresenta um retorno real médio (ajustado pela inflação) de 7% ao ano. Já o nosso “polêmico” Ibovespa tem um retorno real médio de 8,43% ao ano. Pois é, parece que também oferece um “prêmio de risco”.
Contudo, se você fez o dever de casa, “leu o post anterior“, deve estar se perguntando:
“Ok IFP, então temos um retorno levemente superior no longo prazo. Mas e o problema do risco da sequência de retorno no Brasil?”
O problema do risco da sequência de retorno em qualquer lugar do mundo não é tanto a volatilidade de curto prazo, mas principalmente o “risco de encarar uma crise forte e duradoura logo no início de sua aposentadoria” e comprometer permanentemente a longevidade de um portfólio. Portanto, para explorar o risco da sequência de retorno, mais importante do que “qual índice você utiliza” é “quantos cenários catastróficos de aposentadorias iniciando-se logo no início de períodos de crise” podemos simular. Por isso o índice americano é “melhor” (mais antigo e tem mais “crises longas” registradas).
Seria muito interessante, entretanto, utilizar o comportamento histórico do Ibovespa desde 1968 para fazer simulações semelhantes aos estudos de Bengen e Trinity. Acho que o resultado seria parecido, mas ainda não temos esse estudo completo (alguém se habilita?).
O site aposenteaos40.org tem feito um acompanhamento muito bacana da taxa segura de retirada no Brasil a partir do plano real. O período estudado é bem reduzido (apenas 25 anos até agora), mas por enquanto a regra dos 4% tem se mostrado ainda mais conservadora no Brasil.
De qualquer forma, só porque você é brasileiro não quer dizer que só vai investir no Brasil. Está cada vez mais fácil investir “lá fora” e eu super recomendo a diversificação em diferentes moedas e países (hoje temos inúmeras formas de comprar o S&P 500, por exemplo).
A taxa de retorno do futuro será menor que o retorno histórico registrado até agora?
Pera aí, deixa eu consultar uma coisa aqui rapidinho…

A minha bola de cristal está dizendo que…
Performance passada não é garantia de resultado futuro!
Brincadeiras à parte, mas as taxas de juros estão nas mínimas históricas e mesmo assim não estão dando conta de manter o crescimento econômico global nos mesmos patamares das décadas anteriores (o COVID em 2020 é apenas a “cereja do bolo”). Esse cenário em teoria compromete o retorno das duas classes de ativos estudadas pelos “criadores” da regra dos 4% (renda variável e renda fixa). E a internet está cheia de “gurus” fazendo projeções apocalípticas do futuro.
“Então quer dizer que teremos retornos menores no futuro?”
Pode ser que sim, pode ser que não. Essa é uma pergunta que envolve tantas variáveis que qualquer palpite de “especialista” será sempre um “chute”.
A contínua evolução tecnológica, por exemplo, pode desencadear o maior ciclo de desenvolvimento econômico já visto na história da humanidade para os próximos anos e décadas. Enfim, não há como saber!
De qualquer forma, projeções de “crescimento futuro menor” não me preocupam por três motivos:
- O maior problema do aposentado é o “risco da sequência de retorno” e não apenas a “taxa de retorno” em si, lembra?
- “Não crescer” é bem diferente de “não gerar valor no longo prazo”. O Brasil está cheio de empresas lucrativas que quase não crescem, mas geram muito valor no longo prazo;
- A regra dos 4% é extremamente rígida e deixou espaço para a criação de muitas margens de segurança, caso esse cenário se concretize.
A regra dos 4% vale para períodos de aposentadoria maiores que 30 anos?
Os dois estudos definem sucesso na aposentadoria como “não quebrar em 30 anos”. Entretanto, para quem pretende se aposentar cedo e viver muito, 30 anos não é suficiente. Precisamos de um período de desacumulação maior, não é mesmo?
Felizmente, quando estabelecemos uma referência mínima de 30 anos, o dinheiro tende a durar muito mais que isso na maioria dos casos.

A “figure 3(a)” do estudo de Bengen, por exemplo, nos mostra que na maioria dos cenários simulados entre 1926 a 1976, com 75% em renda variável, taxa de retirada anual de 4% do valor inicial do portfólio, ajustada pela inflação nos anos subsequentes, a longevidade do portfólio é superior a 50 anos. 50 anos foi apenas uma escolha arbitrária de corte no gráfico, já que dificilmente alguém vive mais de 50 anos após se aposentar.
Além disso, no mundo dos juros compostos, a matemática se torna bem interessante após 30 anos. Quanto maior o período de aposentadoria almejado, menor o ajuste necessário. Em outras palavras, há pouquíssima diferença entre um período de desacumulação de 30 ou 80 anos.
“Mas como assim?”
Uma boa forma de entender isso é simulando o financiamento de uma casa (a mesma lógica dos juros compostos, mas agora trabalhando contra você). Quando simulamos o financiamento de uma casa de R$ 200.000,00, sem entrada, a 8,43% ao ano (mesmo retorno histórico do Ibovespa) para pagar em 10, 20, 30, 40, 50, 60, 70 ou 80 anos, temos os seguintes números:


Legal, né? Perceba que quanto maior é o período do financiamento, menos diferença ele faz na sua parcela mensal. Por isso não vemos financiamentos de 40 anos ou mais (as parcelas seriam praticamente as mesmas, apenas o período de pagamento seria maior).
Agora inverta a lógica. Pense nas parcelas como o salário de quem emprestou R$ 200.000,00 a 8,43% ao ano e quer receber todo o dinheiro em 10, 20, 30, 40, 50, 60, 70 ou 80 anos. Perceba que a partir de 30 anos o período de aposentadoria quase não afeta o cálculo da taxa de retirada. Portanto, essa diferença mínima pode ser compensada com os pequenos ajustes que faremos nesse post.
Simule sua própria taxa segura de retirada
Os dois principais estudos que deram origem à regra dos 4% usaram suposições bem rígidas, que nem sempre se adequam à nossa realidade. Felizmente, o site firecalc.com tem uma calculadora ainda mais completa, pois que se baseia no comportamento histórico do mercado desde 1871 (não apenas a partir de 1926) e permite o cálculo de uma taxa de sucesso ajustada às suas peculiaridades pessoais. Com essa calculadora você pode simular todos os possíveis períodos de desacumulação, ano a ano, desde 1871.
Se nos basearmos nos critérios utilizados nos estudos clássicos (taxa de retirada de 4% do valor inicial do portfólio ajustada pela inflação nos anos subsequentes, alocação de 75% em renda variável e um período de desacumulação de 30 anos), temos o seguinte resultado:

O gráfico acima assume uma taxa de administração de 0,059% a.a. (igual ao ETF PIBB11 atualmente) para a parcela alocada em renda variável. Os valores nominais adotados são:
- custo de vida anual inicial de R$ 60.000,00 (R$ 5.000,00 por mês) ajustado pela inflação nos anos subsequentes; e
- patrimônio de R$ 1.500.000,00 (taxa de retirada anual de 4% do valor inicial do portfólio).
Cada linha representa um dos 120 possíveis períodos de 30 anos desde 1871. Não tente seguir nenhuma linha. Mas repare nas linhas que caem abaixo da linha vermelha (são os cenários em que seu patrimônio não teria durado o período de desacumulação almejado).
No gráfico acima, de todos os 120 possíveis períodos de 30 anos de desacumulação, apenas 4 falharam. Essa é uma taxa de sucesso de 96,7% e o valor residual médio, após os 30 anos de retirada, é de R$ 2.974.231,00.
No entanto, 30 anos não é suficiente para quem planeja se aposentar cedo e viver muito, né?
Ajustando o período de desacumulação para quem se aposenta cedo e vive muito
Alguém que se aposente aos 40 e viva até os 100 anos, precisaria de um período de desacumulação de 60 anos. 60 anos de aposentadoria é um período exagerado que pouquíssimos conseguem desfrutar. Mas, se você for um desses sortudos, esse seria o seu gráfico:

De todos os 90 possíveis períodos de 60 anos de desacumulação, 14 falharam. A taxa de sucesso diminui de 96,7% para 84,4%. Já o valor residual médio, após os 60 anos de retirada, aumenta de R$ 2.974.231,00 para R$ 9.059.572,00.
A simulação acima (taxa de retirada inicial de 4% ajustada pela inflação nos anos subsequentes, 75% em renda variável e 60 anos de desacumulação) é a que usaremos como base para os nossos futuros “ajustes”. Mas você pode usar os recursos da calculadora firecalc.com para simular as taxas de retirada, alocações percentuais e períodos de desacumulação que você quiser.
A arte de criar “margens de segurança”
No mundo dos investimentos não se trabalha com certezas. Os “invernos do passado” são a única referência que temos para os “invernos do futuro”. Entretanto, é prudente criar “margens de segurança” para garantir que seu patrimônio vai sobreviver aos possíveis “cisnes negros” do futuro.
Então, bora criar algumas margens de segurança?
1- Os estudos não assumem nenhuma outra “renda acidental” após o início da aposentadoria
Eu não sei você, mas eu não pretendo me aposentar para ficar “moscando” o dia todo pro resto da vida. Para mim, independência financeira ou aposentadoria significa “não precisar mais trabalhar por dinheiro”. Mas ninguém vai me obrigar a ficar em casa sem fazer nada, esperando a morte chegar. Eu provavelmente vou diminuir o ritmo, trabalhar somente no que eu quiser, quando eu quiser e onde eu quiser, mas alguma renda acidental é simplesmente inevitável.
Vamos supor que você diminua o ritmo, mas continue envolvido com algum projeto após se aposentar. Se você conseguir gerar apenas R$ 5.000,00 de renda acidental por ano, o seu gráfico fica assim:

Sua taxa de sucesso aumenta de 84,4% para 96,7%. Já o valor residual médio, após os 60 anos de retirada, aumenta de R$ 9.059.572,00 para R$ 11.493.138,00.
Parabéns, você acaba de criar sua primeira margem de segurança.
2- Os estudos não assumem nenhum benefício previdenciário
Independentemente de você acreditar se vale a pena ou não contribuir para o INSS ou outro regime de previdência, a verdade é que o recolhimento é obrigatório se você exerce qualquer atividade laborativa. Portanto, se você atingiu a independência financeira trabalhando para alguém ou para você mesmo, as chances de também ter o tempo mínimo exigido pelo INSS (15 a 20 anos dependendo de onde você se encaixa nas peculiaridades da reforma) quando cumprir a idade mínima são enormes (62 para mulheres após a reforma e 65 para homens).
Caso esteja próximo de atingir o tempo mínimo, considere recolher a diferença antes de atingir a idade mínima. O valor do seu benefício jamais será igual ao seu salário se você cumprir apenas o tempo mínimo. Mas pelo menos você garante um salário mínimo. E qualquer renda recorrente já cria uma margem de segurança interessante.
E se você se aposentar aos 40 e começar a receber um benefício previdenciário no valor de apenas um salário mínimo apenas aos 62 ou 65 anos?
62 anos:
Sua taxa de sucesso aumenta de 84,4% para 91,1%. E o valor residual médio, após os 60 anos de retirada, aumenta de R$ 9.059.572,00 para R$ 10.857.758,00.
65 anos:
Sua taxa de sucesso aumenta de 84,4% para 90%. E o valor residual médio, após os 60 anos de retirada, aumenta de R$ 9.059.572,00 para R$ 10.560.131,00.
E se você e seu cônjuge receberem um salário mínimo do INSS?

De todos os 90 possíveis períodos de 60 anos de desacumulação, apenas 1 falha. Sua taxa de sucesso aumenta de 84,4% para 98,9%. E o valor residual médio, após os 60 anos de retirada, aumenta de R$ 9.059.572,00 para R$ 12.358.317,00.
Você acaba de criar sua segunda margem de segurança.
3- Os estudos não assumem nenhuma herança
Seus pais têm algum patrimônio? Mesmo que esse seja um assunto delicado, a chance dos seus pais “partirem para uma melhor” antes de você é grande. E qualquer “montante único” recebido ao longo de seu período de desacumulação é uma margem de segurança a mais.

O recebimento de uma herança de R$ 50.000,00 aos 60 anos aumenta sua taxa de sucesso de 84,4% para 86,7%. Já o valor residual médio, após os 60 anos de retirada, aumenta de R$ 9.059.572,00 para R$ 9.517.717,00.
Terceira margem de segurança.
4- Os estudos assumem que o custo de vida do aposentado permanecerá o mesmo e subirá de acordo com a inflação
Quem atinge a independência financeira cedo passa a ter uma coisa de sobra: flexibilidade.
- Você pode mudar ou viajar para lugares com custo de vida menor;
- Pode viajar sempre nas datas mais baratas;
- Pode viajar devagar e ter o mesmo gasto de alguém que mora na região;
- Não precisa mais dirigir para o trabalho todos os dias;
- Passa a “comer fora” por escolha, e não por necessidade;
- Não precisa mais manter um vestuário caro e formal por causa do trabalho;
- Passa a ter mais tempo para fazer coisas que antes precisava “terceirizar” por causa da correria do dia a dia, etc.
O estudo “Reality Retirement Planning: A New Paradigm for an Old Science” mostra que o custo de vida do aposentado tende a diminuir ao longo dos anos. E essa redução gradativa não se dá por necessidade financeira, mas de maneira voluntária. Inclusive, apenas o ato de “parar de trabalhar” geralmente implica em uma redução significativa no custo de vida do aposentado, pois trabalhar costuma ter um custo alto.
A verdade é que, quem consegue se aposentar antes da idade clássica de 65 anos geralmente já dominou a “arte de otimizar suas financeiras”. Agora com mais tempo em mãos poderá facilmente reorganizar sua vida de forma ainda mais eficiente, sem precisar comprometer sua qualidade de vida.
“E os gastos com saúde?”
Muita gente fala que os gastos com saúde tendem a aumentar, mas isso é muito relativo. Lembre-se que na nossa simulação você está se aposentando com 40 anos!
Agora que você não está mais exposto ao risco das “doenças ocupacionais” e tem mais tempo para se dedicar a uma alimentação mais saudável, atividades físicas e vida social, seus gastos com saúde podem facilmente diminuir por décadas, em vez de aumentar.
É claro que com a idade avançando essa questão inevitavelmente vai se complicando. Mas quando você chegar nessa fase da vida, o seu portfólio provavelmente vai estar tão robusto com as margens de segurança que você criou, que um possível aumento nos gastos com saúde não será mais um problema.

Se você conseguir diminuir seu custo de vida em 10% após se aposentar (e isso geralmente acontece sem nenhum sofrimento), mesmo que ajuste seu custo de vida pela inflação nos anos subsequentes, sua taxa de sucesso aumenta de 84,4% para 98,9%. Já o valor residual médio, após os 60 anos de retirada, aumenta de R$ 9.059.572,00 para R$ 11.979,851,00.
Quarta margem de segurança.
5- Os estudos são totalmente inflexíveis nos períodos de crise
Os estudos assumem uma taxa de retirada anual de 4% apenas do valor inicial do portfólio, ajustada pela inflação nos anos subsequentes. As simulações que falham são apenas os cenários nos quais o aposentado enfrenta uma forte crise logo nos primeiros anos do período de desacumulação, mas continua aumentando o valor da retirada pela inflação, como se nada estivesse acontecendo. Retornos negativos do portfólio e ajustes positivos da taxa de retirada é a combinação perfeita para comprometer a longevidade do seu portfólio.
5.1- “Regra dos 95%” de Robert Clyatt
Uma das formas de contornar o impacto desses “piores cenários” é aplicando a regra dos 95% abordada no livro “Work Less, Live More” do autor Robert Clyatt.
Segundo essa regra, você deve ajustar sua taxa de retirada anual para 4% do valor corrente do seu portfólio, ou adotar uma retirada anual de 95% do valor retirado no ano anterior (adote a opção que for maior). Essa é uma forma menos volátil de ajustar seus gastos conforme a realidade econômica (e não pela inflação), pois garante que em cenários de retornos negativos sua renda vai cair para, no máximo, 95% da renda que teve no ano anterior.

Quando adotamos essa regra, a taxa de sucesso salta de 84,4% para 100% e o valor residual médio, após os 60 anos de retirada, cai de R$ 9.059.572,00 para R$ 2.907.028,00. Isso acontece porque, nos momentos apropriados, essa regra acaba te “forçando” a gastar muito mais do que o ajuste pela inflação lhe permitiria. Esse tipo de flexibilidade aumenta o “salário médio” na aposentadoria ao mesmo tempo que elimina as chances de o portfólio “zerar” antes dos 60 anos de retirada.
5.2- “Reaposentadoria perpétua” de Kristy Shen e Bryce Leung
Essa é uma forma ainda mais radical de flexibilidade abordada no livro “Quit like a millionaire” dos autores Kristy Shen e Bryce Leung. A proposta é simplesmente reaposentar-se todos os anos. Isso implica em sempre adotar uma taxa de retirada anual de 4% do valor corrente do portfólio.
A “regra clássica dos 4%” diz que uma taxa de retirada anual de 4% do valor inicial do portfólio, ajustada pela inflação nos anos subsequentes, tende a durar pelo menos 30 anos. Portanto, se você tratar todo ano como o ano inicial de sua aposentadoria, estará sempre garantindo pelo menos mais 30 anos de longevidade do seu portfólio.

Essa regra apresenta uma taxa de sucesso de 100% e um valor residual médio, após os 60 anos de retirada, de R$ 3.304.043,00.
Essa é a estratégia mais volátil, pois seu “salário” pode cair bruscamente em períodos de crise. Mas, se você tiver a flexibilidade de adotá-la, seu “salário” tende a ser ajustado muito acima da inflação e da estratégia de Robert Clyatt no longo prazo, sem incorrer no risco de esgotar o portfólio (mesmo que você viva 150 anos).
Quinta margem de segurança.
6- Os estudos adotam uma taxa de retirada anual única
Os estudos trabalham com uma única retirada por ano. Isso pode até fazer sentido para os anos em que o portfólio esteja com um retorno real acima de 4%. Você transferiria todo o salário de um ano para alguma conta com algum retorno, pouco risco e muita liquidez e não precisaria mais se preocupar com volatilidade por um ano inteiro.
Mas, e se o seu resgate anual coincidir com um período de “pânico” (como foi março de 2020 por causa do COVID-19)? Por que você realizaria tanto prejuízo retirando o salário de um ano inteiro justamente quando o seu portfólio está temporariamente reduzido?
Ciente desse problema, um outro estudo Trinity de 1999 “Sustainable Withdrawal Rates From Your Retirement Portfolio” analisou justamente a variável da retirada mensal, em vez da retirada anual.

E o resultado é que uma retirada mensal só teria uma taxa de sucesso inferior à retirada anual em uma das quinze simulações na coluna da taxa de retirada de 4% (cenário de 30 anos com um portfólio de 100% em renda fixa).
Sexta margem de segurança.
7- A própria regra dos 4% já vem com uma margem de segurança
Bengen, considerado por muitos como o “pai da regra dos 4%”, diz que essa regra sempre foi uma referência de “piores cenários”. Quem se aposentou em 1968, por exemplo, encarou 14 anos de “bear market” acompanhado de aumento significativo na inflação. E, mesmo assim, seria bem sucedido se adotasse uma taxa de retirada de 4%.

Em 2006 ele atualizou os seus cálculos de “taxa segura de retirada” para 4,5% no seu livro “Conserving Client Portfolios During Retirement“. E recentemente disse que, nas condições atuais, uma taxa de retirada não superior a 5% é segura.
Ou seja, adotando uma taxa de retirada de 4%, você já automaticamente insere uma margem de segurança segundo o próprio “pai da regra dos 4%”.
“Não é uma lei da natureza”, ele diz; “é apenas uma referência empírica”. O objetivo nunca foi criar uma regra “tamanho único” para todos.
Portanto, a sétima margem de segurança você já leva de brinde, só por adotar uma taxa de retirada de 4%.
Moral da história
Por fim, a regra dos 4% tende a ser uma estratégia muito conservadora de preservação de patrimônio para quem adota uma alocação de ativos semelhante à explorada pelos estudos (50% a 75% em renda variável com diversificação suficiente para espelhar as movimentações do mercado). Se você incorporar algumas das margens de segurança exploradas aqui, talvez possa “brincar” com uma taxa de retirada ainda maior.
O mais importante é estar ciente de que os únicos cenários que “falham” são os que enfrentam crises nos primeiros anos de aposentadoria e o aposentado continua fazendo suas retiradas cada vez maiores, como se nada estivesse acontecendo. Portanto, se você tiver a flexibilidade de adaptar o seu custo de vida à realidade econômica de cada ano e atrelar sua taxa de retirada ao valor corrente do portfólio, principalmente nos 5 primeiros anos de aposentadoria, vai poder corrigir seu salário muito acima da inflação no longo prazo, sem precisar incorrer no risco de esgotar o portfólio.
O site firecalc.com é uma excelente ferramenta para inserir suas variáveis pessoais para determinar quando faz sentido se aposentar e como garantir que a sua estratégia seja sustentável.
Você conhece alguma outra ferramenta para calcular a sua taxa segura de retirada?
Consegue pensar em alguma outra margem de segurança para blindar a regra dos 4% ou a sua taxa de retirada?
Acredita que a regra dos 4% é uma estratégia adequada para o seu perfil de investidor?
Deixe nos comentários!
Atualização em 29/01/2021: o AA40 me chamou a atenção a uma outra versão do firecalc.com. O cfiresim.com apresenta resultados super detalhados como, por exemplo, o valor residual de cada ano simulado. Recomendo que todo aspirante a FIRE dê uma brincada nesse site, inserindo suas peculiaridades pessoais.
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Muito completo seu post hein IFP. Parabéns. Obrigado pelos links.
Já viu o FIRECalc novo? Os caras reformaram no final do ano passado, tá bem mais moderno.
ABcs AA40
https://cfiresim.com/
Muito legal AA40!
Ainda não conhecia. Achei bacana que ele detalha o valor residual de cada ano simulado, e não apenas um valor residual médio.
Vou colocar na minha lista de simuladores recomendados!
Um abraço!
IFólogo Pop
Parabéns pelo estudo!!
Obrigado João Paulo!
Parabéns pelo estudo IFP!! Conheci vocês pelo Boteco!!
Um abraço
Obrigado Augusto Oliveira! Seja bem-vindo!
Um abraço!
Dá uma olhada no post “FIRE is DEAD” do blog Retire In Progress. Perturbador.
Olá vagabundo!
Não conhecia esse blog. Gostei do jeito que ele escreve e achei o post bem interessante.
Mas o título é mais perturbador do que o conteúdo em si.
No fim das contas ele diz que nunca teremos 100% de certeza de nada, e que o atual momento (valuation alto para stocks e retornos baixos na renda fixa) é diferente do histórico que tivemos até aqui… (concordo plenamente)
Eu também acho que provavelmente teremos retornos menores nas próximas décadas do que em todo o histórico desde 1926.
Mas o objetivo principal desses estudos foi analisar o risco da sequência de retorno, conforme eu expliquei no artigo anterior (e não o retorno em si). Ou seja, quando simulamos aposentadorias iniciando em cada ano desde 1926, o retorno histórico tem importância secundária. O mais importante é a sequência de retorno dali pra frente (e a sequência de retornos dos 5 primeiros anos são os principais responsáveis pela longevidade de um portfólio).
Na verdade, quando lemos os artigos originais, o objetivo nunca foi criar uma “regra”. Eles apenas avaliaram várias taxas de retirada e suas taxas de sucesso baseadas no comportamento histórico que temos disponível (simulando aposentadorias iniciando em cada ano, desde 1926).
4% acabou virando esse “santo graal” apenas porque foi a taxa de retirada que apresentava uma taxa de sucesso aceitável e um valor residual médio não ridiculamente alto, como nas taxas de retirada menores…
Tratá-la com uma “regra” é realmente perigoso.
Por isso é importante sempre se manter flexível e trabalhar com margens de segurança (e esse post é uma tentativa de pensar sobre isso).
Pra quem pretende utilizar os 4% apenas como uma métrica flexível de taxa de retirada anual (4% do valor corrente do portfólio, por exemplo) e trabalhar com margens de segurança, 4% ainda é uma taxa extremamente conservadora (mesmo no cenário atual). Pois padrões aleatórios de sequência de retorno semelhantes às históricas vão continuar acontecendo, mesmo que o retorno médio daqui para frente seja menor.
Mas pra quem pretende se aposentar com 4% do valor inicial do portfólio, e ajustar a retirada cegamente pela inflação nos anos subsequentes, independente do que vier pela frente, a tal “regra” dos 4% pode não ser sustentável mesmo…
Um abraço!